O dever do ministério público fornecer todos os elementos de prova que tenha a seu poder ou sob seu controle para a defesa

Escrito por mussi
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Autor: José Lucas Mussi – Advogado inscrito na OAB/SC sob o nº 42.936
Membro da Comissão de Direito Penal e Processo Penal da OAB/SC
Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SC

“Se quisermos que tudo continue como está é preciso que tudo mude”. – Il Gattopardo, de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, 1958.

NO LABIRINTO DE INCERTEZAS DE UM PROCESSO CRIMINAL KAFKIANO

Imagine acordar no seu quarto, em sua casa, por dois sujeitos desconhecidos, sendo informado apenas de que você está sendo acusado do cometimento de um crime, sem maiores detalhes ou explicações, e de que a partir deste momento você está sob custódia do Estado. Isto é o que ocorre na vida de Josef. K. no romance “O Processo”, de Franz Kafka. 

Na obra “O Processo”[1], de Franz Kafka, o personagem principal, Josef K., se vê acusado em um processo criminal no qual desconhece tudo: qual acusação existe contra si, quem o acusou, quais as regras do processo (regras do jogo), quais provas existem contra ele, como ele deve agir e como ele não deve agir a partir disto, como pode ser absolvido, quem são os agentes do processo e como funciona o sistema burocrático do Estado:

“- O senhor não tem permissão para sair. O senhor está detido.

– É o que parece – disse K. – Mas por quê? – perguntou então.

– Não fomos incumbidos de dizê-lo. Vá para o seu quarto e espere. O procedimento acaba de ser iniciado e o senhor ficará sabendo de tudo no devido tempo…”[2]

Este é o clássico da literatura mundial de Kafka que deu origem ao termo “kafkiano”, e, no direito, é muito utilizado para processos nos quais as regras são confusas, mutáveis, obscuras e contraditórias. Tais processos envolvem sujeitos enfrentando sistemas ou estruturas opressivas, com prisões em labirintos burocráticos e realidades absurdas, irracionais e incompreensíveis.

No Brasil, após um longo período de 21 anos de ditadura[3] militar advinda de um golpe militar, em que houve fechamento do congresso nacional, instalação da censura, suspensão de direitos políticos, redução de garantias processuais, proibição de concessão de habeas corpus, entre outros ataques a direitos fundamentais, conquistou-se, fruto da luta e organização do povo brasileiro, a promulgação da Constituição da República de 1988, na qual houve a inclusão de direitos e garantias, dentre os quais garantir um processo penal de matriz acusatória, a publicidade dos atos da administração pública como regra, e a fuga de um estado irracional, autoritário e absurdo, ou a busca de maior controle do mesmo.

O ACUSADO EM UM PROCESSO CRIMINAL, SUJEITO DE DIREITOS, POSSUI O DIREITO DE NÃO SER MAIS UM “JOSEF K.”.

Em um processo penal no Estado Democrático de Direito que adota o sistema acusatório é dever de comportamento do Ministério Público e dos demais órgãos de investigação, além de de tratar o réu como inocente, a divulgação para a sua defesa de todos os elementos de prova produzidos e obtidos que digam respeito ao direito de defesa.

O princípio da presunção de inocência (art. 5º, inciso LVII da Constituição Federal[4] de 1988) advoga como um dos basilares princípios que sustentam essa questão, possuindo 3 dimensões no direito processual penal brasileiro, sendo a de norma de tratamento[5] a que mais se relaciona com a presente questão, como bem elucida Aury Lopes Jr.:

“A presunção de inocência irradia sua eficácia em três dimensões, constituindo as seguintes normas:

Norma de tratamento: a presunção de inocência impõe um verdadeiro dever de tratamento (na medida em que exige que o réu seja tratado como inocente), que atua em duas dimensões: interna ao processo e exterior a ele. Internamente, é a imposição – ao juiz – de tratar o acusado efetivamente como inocente até que sobrevenha eventual sentença penal condenatória transitada em julgado. Isso terá reflexos, entre outros, no uso excepcional das prisões cautelares […]. Na dimensão externa ao processo, a presunção de inocência exige uma proteção contra a publicidade abusiva e estigmatização (precoce) do réu significa dizer que a presunção de inocência (e também as garantias constitucionais da imagem, dignidade e privacidade) deve ser utilizada como verdadeiro limite democrático à abusiva exploração midiática em torno do fato criminoso e do próprio processo judicial”.

Ainda, tal norma de tratamento deve ser exigida tanto do poder judiciário quanto do órgão de investigação e detentor da titularidade da ação penal, no sentido de garantir que, diante da presunção de inocência favorável ao investigado/acusado contra quem perdura uma investigação e/ou um processo criminal, deve tal órgão buscar provas favoráveis ao investigado/acusado e franquear o acesso a todos os elementos de prova indiciária ou processual que possuir sob seu poder ou sob seu controle.

Importante mencionar que tal previsão legal não surgiu do vácuo e não se trata de uma ‘jabuticaba legal tupiniquim’, sendo fruto da conquista e evolução histórica de direitos e garantias processuais. Um dos diplomas que inspiram tal direito é o Estatuto de Roma[6], assinado por uma pluralidade de nações em 1998, e incorporado pelo Brasil no ano de 2002, que possui a previsão de tal direito em seu art. 67º:

Artigo 67

Direitos do Acusado

        1. Durante a apreciação de quaisquer fatos constantes da acusação, o acusado tem direito a ser ouvido em audiência pública, levando em conta o disposto no presente Estatuto, a uma audiência conduzida de forma eqüitativa e imparcial e às seguintes garantias mínimas, em situação de plena igualdade:

[…]

        2. Além de qualquer outra revelação de informação prevista no presente Estatuto, o Procurador comunicará à defesa, logo que possível, as provas que tenha em seu poder ou sob o seu controle e que, no seu entender, revelem ou tendam a revelar a inocência do acusado, ou a atenuar a sua culpa, ou que possam afetar a credibilidade das provas de acusação. Em caso de dúvida relativamente à aplicação do presente número, cabe ao Tribunal decidir.

Neste mesmo sentido, o Código de Processo Penal (CPP), em seu art. 6º, inciso III, determina expressamente que o Estado Brasileiro, ao deter o monopólio da jurisdição penal com prerrogativa de realização da investigação, deve procurar todas as provas, favoráveis ou não, para o esclarecimento do fato[7]:

Art. 6o  Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:

[…]

III – colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias;

Além do dever de procurar todas as provas necessárias a elucidação do fato, há o dever de fornecer o acesso das mesmas para a defesa, garantindo a existência da dialética no processo penal. Sobre o mesmo tema o STF – Supremo Tribunal Federal aprovou a Súmula Vinculante[8] de nº 14, que reforça tal direito do investigado/acusado e de seu defensor:

É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.

Importante mencionar, ainda, a prerrogativa garantida ao advogado no Estatuto da Advocacia[9] (Lei nº 8.906/94), em seu art. 7º, inciso XI:

Art. 7º São direitos do advogado:

XIV – examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital;             (Redação dada pela Lei nº 13.245, de 2016)

Sob a perspectiva da advocacia criminal, autorizar a atuação da acusação de modo diverso em um estado democrático de direito, fere os princípios do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal, da paridade de armas, da publicidade e do acesso a informação. Vale dizer, nas palavras de Alexandre Morais da Rosa[10], trata-se de autorizar a ocorrência de “Discloruse” no processo penal:

“Disclosure: omissão estatal de apresentação de provas obtidas em favor do acusado (discloruse). É dever do Estado apresentar todas as provas amealhadas, e não somente as favoráveis.”

No mesmo sentido o magistério de Lenio Luiz Streck[11], em sua coluna da conjur, sobre o dever do Ministério Público em produzir e fornecer provas favoráveis à defesa:

“ Pretende-se aquilo que (já) está no Estatuto de Roma, incorporado pelo Brasil de 2002 e que não é novidade na Alemanha, Itália e nos EUA — pelo menos em parte.

Quando o Ministério Público investiga, deve também procurar provas a favor da inocência do réu. E não pode escamotear nenhum elemento que possa beneficiar a defesa.

[…]

Por exemplo: se alguém é processado com base apenas em uma foto ou baseado em uma só testemunha, o MP deve buscar provas também para inocentar o réu. E não apenas insistir em provas frágeis das quais, na maioria das vezes, sairá uma condenação errada-injusta.

Deste modo, resta evidenciada a previsão legal do direito ao réu que sua defesa tenha acesso a todos os elementos do inquérito e a todas as provas processuais, devendo tal prerrogativa ser observada pelo Ministério Público e pelo poder judiciário, evitando-se, assim, o desrespeito ao Estado Democrático de Direito, ao processo penal acusatório, ao devido processo legal e ao contraditório.

Mais do que isso, evita-se, deste modo, a transmutação do devido processo legal penal em um processo judicial absurdo, vertiginoso, confuso, obscuro e kafkiano.

A ATUAÇÃO EM DESCONFORMIDADE COM ESSA OBRIGAÇÃO LEGAL E AS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS: ERROS JUDICIAIS, INOCENTES CONDENADOS E CONDENAÇÕES REVISADAS

Este dever de investigação de versões favoráveis ao réu e a defesa e de fornecimento pelo órgão de investigação e acusação de todas as provas que existam sob poder ou controle adquire maior relevância quando verifica-se a quantidade de erros judiciais[12] cometidos e reconhecidos recentemente pelo STJ – Superior Tribunal de Justiça:

“A decisão é uma das quase 90 já proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) desde que a Sexta Turma, reformulando a jurisprudência até então predominante, assentou o entendimento de que a inobservância do artigo 226 do Código de Processo Penal (CPP) invalida o reconhecimento do acusado feito na polícia, não podendo servir de base para a sua condenação, nem mesmo se for confirmado na fase judicial. Isso ocorreu em 27 de outubro de 2020, no julgamento do HC 598.886.”

Em consonância com o exposto, o CONDEGE (Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais) produziu no ano de fevereiro de 2021 o relatório[13] com informações enviadas por defensores de 10 Estados diferentes que engloba o período de 2012-2020, contabilizando 90 prisões injustas por meio de reconhecimento fotográfico.

A atuação pelos órgãos de investigação e persecução penal em desconformidade com tal obrigação legal de fornecer todos os elementos do inquérito e a todas as provas para a defesa possui grande capacidade de influenciar negativamente um processo criminal em desfavor de um réu, podendo ocasionar condenações sem o devido grau de certeza exigido para se evitar erros judiciais.

Neste sentido, durante o 24º seminário internacional de Ciências Criminais promovido pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) corrido em 2018, as advogadas criminalistas Maira Fernandes e Dora Cavalcanti informaram que as principais causas de erros judicias[14] são:

  1. Falsas acusações;
  2. Reconhecimentos errados de autores de crimes;
  3. Perícias imprecisas;
  4. Abusos de agentes estatais;
  5. Confissões forçadas, por vezes obtidas mediante tortura;

Para uma atuação diligente e combativa, garantindo a fiscalização da lei e do Estado e defendendo os direitos e garantias fundamentais do acusado, apenas o acesso a integralidade dos elementos do inquérito e dos elementos de prova produzidos capacitam a defesa a constatar excessos de acusação, falsas acusações e provas nulas ou desprovidas dos requisitos legais.

Para enfrentamento de tais abusos e ilegalidades, considerando o contexto autoritário e a inspiração fascista que foi adotada pelo Código de Processo Penal de 1941, com grande limitação recursal, a advocacia criminal possui Ações Impugnativas Autônomas, com destaque para o remédio constitucional do Habeas Corpus, acompanhado do Mandado de Segurança, da Reclamação Constitucional e da Revisão Criminal.

Consciente da falibilidade de nosso sistema judicial penal e da possibilidade de ocorrência de condenações equivocadas ou do surgimento de fatos ou provas novas capazes de revisarem condenações, como demonstrado anteriormente, as Ações Impugnativas Autônomas se fazem necessárias para a redução de injustiças e para a garantia do efetivo devido processo legal, com contraditório e ampla-defesa assegurados pela advocacia criminal.

O RECONHECIMENTO JURISPRUDENCIAL DO DIREITO DE ACESSO AO INQUÉRITO E AS PROVAS JUDICIAIS

Em que pese ser uma prerrogativa da advocacia garantida pela Lei nº 8.906/94 há quase três décadas, tendo inclusive sido reconhecida por Súmula Vinculante do STF – Supremo Tribunal Federal, a advocacia criminal por vezes necessita provocar o poder judiciário para ter seu direito a integralidade do inquérito.

Aos que gostam do direito comparado, cumpre ressaltar que tal direito do cidadão e dever do Estado encontra abrigo, por exemplo, no entendimento da Suprema Corte[15] dos Estados Unidos na América desde 1963, no precedente “Brady x Maryland”, apelidado de Doutrina Brady ou Caso Brady:

Brady v. Maryland, 373 U.S. 83 (1963)

Decided:May 13, 1963

PRIMARY HOLDING

The government’s withholding of evidence that is material to the determination of either guilt or punishment of a criminal defendant violates the defendant’s constitutional right to due process. Tradução livre: A retenção pelo governo de provas relevantes para a determinação da culpa ou punição de um réu criminal viola o direito constitucional do réu ao devido processo legal.

Por sua vez, colaciona-se a seguir, a título de exemplo, alguns casos relevantes da jurisprudência do STF (Supremo Tribunal Federal), do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e do TRF (Tribunal Regional Federal) da 4ª Região em que a defesa necessitou da utilização de Ações Impugnativas Autônomas perante a mais alta corte do país para garantir a observância de suas prerrogativas básicas de acesso aos elementos de investigação na defesa do direito de defesa:

STF – SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

● Possibilidade de obtenção de cópias de todos os elementos de prova já documentados, inclusive daqueles em formato audiovisual

Nada, absolutamente nada, respalda ocultar de envolvido – como é o caso da reclamante – dados contidos em autos de procedimento investigativo ou em processo alusivo a ação penal, pouco importando eventual sigilo do que documentado. Esse é o entendimento revelado no verbete vinculante 14 (…). Tendo em vista a expressão “acesso amplo”, deve-se facultar à defesa o conhecimento da integralidade dos elementos resultantes de diligências, documentados no procedimento investigatório, permitindo, inclusive, a obtenção de cópia das peças produzidas. O sigilo refere-se tão somente às diligências, evitando a frustração das providências impostas. Em síntese, o acesso ocorre consideradas as peças constantes dos autos, independentemente de prévia indicação do Ministério Público. 3. Defiro a liminar para que a reclamante, na condição de envolvida, tenha acesso irrestrito e imediato, por meio de procurador constituído, facultada inclusive a extração de cópia, aos elementos constantes do procedimento investigatório (…).
[Rcl 31.213 MC, rel. min. Marco Aurélio, dec. monocrática, j. 20-8-2018, DJE 174 de 24-8-2018.]

STJ – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA DE INFORMAÇÕES E PECULATO. MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. CUMPRIMENTO INDEVIDO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. DECISÃO DE QUEBRA DE SIGILO FISCAL. FUNDAMENTAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. ACESSO AO MATERIAL OBTIDO COM MEDIDAS CAUTELARES. CONFIGURAÇÃO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

[…]

3. Tendo sido realizada medida de busca e apreensão, faz-se necessário disponibilizar à defesa amplo acesso aos elementos colhidos, nos termos da Súmula Vinculante n. 14.

4. No caso em exame, foi sonegada à defesa tal prerrogativa, que somente foi determinada após ter sido julgada procedente Reclamação ajuizada no Supremo Tribunal Federal.

5. Demonstrado que o conhecimento dos elementos somente foi franqueado após a oitiva das testemunhas, é nítido o malferimento ao devido processo legal, porquanto a defesa permaneceu em situação de flagrante desvantagem em relação à acusação.

6. Não cabe ao órgão acusatório ou mesmo ao julgador definir o que, dentre o que foi produzido, interessa ser de conhecimento da defesa, visto que toda a prova interessa ao processo, pouco importando de qual parte foi a iniciativa.

7. Ordem parcialmente conhecida e, nessa parte, concedida.

(HC n. 626.434/PB, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 18/5/2021, DJe de 26/5/2021.)

TRF 4º – TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

EMENTA: HABEAS CORPUS. DIREITO DE ACESSO À INVESTIGAÇÃO. ADVOGADO NÃO CONSTITUÍDO PELO PACIENTE. ART. 7º, X\IV, DO ESTATUTO DA ADVOCACIA.  1. O investigado tem direito ter acesso ao inquérito policial, salvo às peças que estejam sob sigilo, instaurado para apurar fatos em seu desfavor, ademais considerando a dificuldade de comunicação inicial entre o advogado e o investigado que está custodiado em País distante.  2. O advogado, com ou sem procuração, poderá ter acesso às informações constantes no caderno investigatório, nos termos do art. 7º, XIV, do Estatuto da Advocacia.  3. Concedida em parte a ordem de habeas corpus. (TRF4, HC 5050702-12.2020.4.04.0000, OITAVA TURMA, Relator JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, juntado aos autos em 26/11/2020)

Ante o exposto, verifica-se que, apesar do referido direito de acesso aos elementos do inquérito e as provas do processo encontrar-se albergado no Estatuto de Roma (Art. 67), na Constituição Federal (Art. 5º, incisos LIV e LV), na Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), em seu art. 7º, inciso XIV, e na Súmula Vinculante nº 14 do STF (Supremo Tribunal Federal), a advocacia criminal, fiscal da lei e dos direitos e garantias fundamentais dos sujeitos de direitos investigados ou processados criminalmente, deve, por meio dos recursos e das ações de impugnação autônomas cabíveis, buscar o respeito a legislação, e, consequentemente, ao devido processo legal e ao Estado Democrático de Direito.

A APLICAÇÃO DA LEI PELO ÓRGÃO DE INVESTIGAÇÃO E PERSECUÇÃO PENAL IMPEDE O SUJEITO DE DIREITOS DE ADENTRAR NO LABIRINTO KAFKIANO

A atuação desleal, desrespeitando os princípios do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, da paridade de armas, da confiança e da boa-fé, princípios inerentes ao direito administrativo e ao processo penal em um Estado Democrático de Direito, podem acarretar prejuízos significativos a busca da verdade processual que possibilite a absolvição ou a redução de danos para um sujeito de direitos que se encontra temporariamente como sujeito passivo de um processo criminal.

Entendemos ser evidente o prejuízo que pode ser causado para a defesa do Réu, e, consequentemente para o Réu, diante da omissão de elementos do inquérito pelo órgão de acusação, seja na fase do inquérito, pré-processual, seja na fase de instrução criminal, processual.

Pelo exposto, entendemos que o comportamento desleal pelo órgão investigatório e acusatório durante uma investigação ou um processo criminal, que atue pela ausência de fornecimento de todas as provas produzidas, acarretariam em nulidade absoluta, nos termos dos artigos 563 e seguintes do Código de Processo Penal, do art. 5º, inciso LVI da Constituição Federal de 1988 e do Art. 67, do Estatuto de Roma.

O acusado em no processo criminal brasileiro, ou seja, um sujeito de direitos em um processo criminal de matriz acusatória inserido em um Estado Democrático de Direito, não pode ser tratado como o personagem “Josef K.”.


[1] KAFKA, Franz. O Processo. Companhia de Bolso. São Paulo. 2005.

[2] KAFKA, Franz. O Processo. Companhia de Bolso – 2005. p. 7.

[3] Artigo da revista CONJUR. POMPEU, ANA. AI-5, o ato que derrubou o Estado de Direito e suspendeu o sistema de Justiça –  https://www.conjur.com.br/2018-dez-13/50-anos-ai-ato-derrubou-estado-direito

[4]   Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

[5] LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 19º ed. 2022. São Paulo – SaraivaJur. P. 107.

[6] Estatuto de Roma – https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4388.htm.

[7] LOPES Jr., Aury. MORAIS DA ROSA, Alexandre. Podcast Criminal Player. Episódio 12: “O dever de apresentar as provas favoráveis e desfavoráveis à defesa: cherry picking probatório”. Abril de 2022 – https://open.spotify.com/episode/5W3wsP0xdShiRAAGRhQgJz?si=1b4f0066530d428b.

[8] Súmula Vinculante nº 14 – Portal do STF – Supremo Tribunal Federal. https://portal.stf.jus.br/jurisprudencia/sumariosumulas.asp?base=26&sumula=1230

[9] Estatuto da Advocacia –  Lei nº 8.906/94 – https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8906.htm;

[10] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia do Processo Penal Estratégico. E-Mais Editora: Florianópolis, 2021. p. 166.

[11] Artigo da Revista CONJUR. STRECK, Lênio Luiz – Ministério Público não deve esconder provas da defesa. – https://www.conjur.com.br/2022-nov-10/senso-incomum-mp-nao-esconder-provas-defesa.

[12] https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/06022022-Reconhecimento-de-pessoas-um-campo-fertil-para-o-erro-judicial.aspx

[13] Relatório do CONDEGE de 2021 sobre condenações prisões injustas lastreadas em reconhecimentos fotográficos equivocados – http://condege.org.br/arquivos/1029;

[14] Artigo no site CONJUR. RODAS, Sérgio – “Criminalistas analisam principais causas de erros judiciais” – https://www.conjur.com.br/2018-set-06/criminalistas-analisam-principais-causas-erros-judiciais#:~:text=As%20principais%20causas%20de%20erros,muitas%20vezes%20obtidas%20mediante%20tortura.

[15] https://supreme.justia.com/cases/federal/us/373/83/ – acessado em 13/07/2023.

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